20 de mai. de 2011

'Ele ameaçava me matar se contasse', diz abusada sexualmente pelo pai

Fonte: G1 Rio de Janeiro


Mesmo após denúncia, vítima continuou morando com o pai, no Rio.
Ministério Público lança nesta sexta campanha contra abuso sexual.

Patrícia Kappen
Do G1 RJ
Cartaz campanha MP abuso sexual (Foto: Divulgação/Ministério Público)
Campanha do MP estimula denúncias contra o
abuso sexual (Foto: Divulgação/Ministério Público)
O Ministério Público do Rio lança nesta sexta-feira (20) a campanha “Quem cala consente”, contra a violência sexual de crianças e adolescentes. De acordo com a Secretaria de Direitos Humanos do Governo Federal, pelo menos quatro mil denúncias por abuso ou exploração sexual foram feitas no primeiro trimestre.
E para aumentar o número de denúncias e o índice de crianças que podem ser tratadas do trauma, o MP frisa que há dois importantes canais de queixas de abusos: o Disque 127, telefone da Ouvidoria Geral do MP, e o Disque 100 (Disque-Denúncia Nacional de Abuso e Exploração Sexual contra Crianças e Adolescentes, da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República).

Histórias de abuso sexual não faltam, mas a de uma adolescente de 14 anos, tímida e com a fala calma, é simbólica. Ela foi abusada sexualmente pelo próprio pai, dos 8 aos 13 anos. E mesmo após uma denúncia de uma assistente social ao Conselho Tutelar, a menina continuou morando com o pai e sendo constantemente abusada. A assistente social que denunciou o pai da menina cuidava da irmã dela, que tinha AIDS, e que também já tinha sofrido abusos dentro da própria casa.
Ele não foi preso. Fui morar com a minha avó, depois voltei a morar com ele, e ele continuou abusando de mim"
Menina abusada pelo pai que agora mora em um abrigo no Rio
“Ele ameaçava me bater, me matar, matar minha mãe, se eu contasse para alguém”, justificou a menina. “Ele não foi preso. Fui morar com a minha avó, depois voltei a morar com ele, e ele continuou abusando de mim”, disse. A menina finalmente conseguiu sair de casa, e acabou parando no Lar Maria Augusta, em Magalhães Bastos, Zona Oeste do Rio, que funciona dentro da Casa Espírita Tesloo. E ainda lá o pai tentou abusar da filha. “Eu estava sentada ao lado dele no banco. Ele começou a passar a mão em mim, na minha perna. Uma adolescente viu e falou para a tia. Depois disso, quando ele vinha a gente tinha que sentar na secretaria para ele não fazer isso comigo”, desabafou.
O pai da menina morreu, e agora o que ela espera é conseguir uma família acolhedora. E sonha em ser professora, advogada ou modelo.
Para que histórias como esta de abuso constante não aconteçam, Sérgio Magalhães, presidente da Tesloo, defende que é o agressor que tem que sair imediatamente de casa, na primeira suspeita de abuso, e não a vítima. “A criança é sentenciada duas vezes. Quando é abusada e quando é retirada do convívio familiar, quando na verdade o abusador é que teria que ser retirado”.
A criança é sentenciada duas vezes. Quando é abusada e quando é retirada do convívio familiar, quando na verdade o abusador é que teria que ser retirado"
Sérgio Magalhães, presidente da Tesloo
São 37 meninas no local. Todas sofreram abusos ou exploração sexual. Sérgio afirma que o acolhimento imediato das jovens é imprescindível. “Depois entramos com as outras medidas, como atendimento psicológico, assistência social, tudo para ela ser reinserida no contexto social, com jogos lúdicos, curso de corte e costura, escola. Quando a adolescente atinge mais ou menos 16 anos oferecemos cursos profissionalizantes. O trabalho principal da instituição é tentar reinserir a jovem na família. Caso isso não seja possível, a opção é encontrar uma família acolhedora, tudo com autorização judicial."

Menina molestada começou a usar crack
O presidente da Tesloo é considerado um pai para as jovens. “A figura do Sérgio é de um homem que protege as meninas, diferente da imagem de homens que elas têm quando chegam”, disse a advogada do abrigo, Emília Nascimento.

Entre as meninas que estão no abrigo, está também uma jovem de 15 anos. Aos 9 foi abusada pela primeira vez pelo então marido da mãe. “Estava em casa, minha mãe saiu para trabalhar. Ele chegou bêbado, disse para eu ir tomar banho e começou a passar a mão em mim. Ele disse que nunca ia ser preso”. Depois, a menina começou a usar drogas, como crack. “Eu usava a droga, ficava agressiva, lembrava dele”, disse.
Outra menina, de 11 anos, contou ter sido abusada pelo avô. Ela foi encaminhada para o Conselho Tutelar pela própria escola que frequentava. “Se tiver conhecimento, a escola tem obrigação de encaminhar o caso”, afirmou Emília.

Campanha estimula denúncias

A advogada diz que o número de casos de abuso sexual não está aumentando. Acredita, sim, que o número de denúncias vem crescendo. Para o promotor coordenador do 4º Centro de Apoio Operacional às Promotorias de Justiça da Infância e Juventude do estado do Rio de Janeiro, Rodrigo Cézar Medina da Cunha, o preocupante é o número de subnotificações. “O atual volume de denúncias é alarmante, mas a realidade pode ser ainda mais drástica, porque muitos casos são subnotificados.”
“Esta campanha do Ministério Público é justamente para, além de difundir canais de denúncia, dar a visibilidade social que o tema merece no Sistema de Garantia de Direitos de Crianças e Adolescentes. É dever dos pais, educadores, profissionais de saúde, conselheiros tutelares e de toda a sociedade defender os direitos de crianças e adolescentes, que têm prioridade constitucional”, disse Medina.
É essencial dar credibilidade ao relato das vítimas, que em muitos casos é a principal prova em um processo criminal. Não se pode ter medo de denunciar."
Promotor Rodrigo Cézar Medina da Cunha
O MP explica que segundo a Organização Mundial de Saúde, a violência sexual já é um dos mais graves problemas de saúde pública no mundo. “Quando se trata de abuso sexual, é pouco provável que a criança e o adolescente deixem de dizer a verdade. É essencial dar credibilidade ao relato das vítimas, que em muitos casos é a principal prova em um processo criminal. Não se pode ter medo de denunciar. E é fundamental saber a quem recorrer em caso de suspeita de violência ou exploração sexual. Os Conselhos Tutelares são o melhor caminho. Cabe aos conselheiros verificar a procedência de cada caso, visitar as famílias e, confirmado o fato, aplicar medidas de proteção às vítimas, trazendo os casos ao conhecimento do Ministério Público”, orientou o promotor.
Disque 100 e Disque 127
Tanto no Disque 100 quanto no Disque 127 do MP o denunciante não precisa se identificar. O Disque 127 funciona de segunda a sexta-feira, entre 8h e 20h. Denúncias também podem ser realizadas pela internet. Basta entrar no site do MP, e clicar no ícone da Ouvidoria. As denúncias podem ser feitas também pessoalmente, de segunda a sexta-feira, de 8h às 20h na sede do MP. O endereço é Avenida Marechal Câmara 370, subsolo – Centro do Rio.

O Disque 100 é gratuito e funciona diariamente entre 8h e 22h, inclusive nos fins de semana e feriados. As denúncias recebidas são analisadas e encaminhadas aos órgãos de defesa e responsabilização num prazo de 24h. As denúncias também podem ser feitas pelo site do programa ou pelo endereço eletrônico: disquedenuncia@sedh.gov.br.

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