27 de fev. de 2011

Segurança: Os bastidores da guerra na principal delegacia do Rio

Fonte: O Dia Online


Investigação da PF revela troca de acusações entre policiais da Dcod sobre desvio de armas, extorsão e vazamento de informação

POR LESLIE LEITÃO
 Foto: Severino Silva/ Agência O Dia
Foto: Severino Silva/ Agência O Dia
Rio - A Operação Guilhotina, desencadeada há duas semanas pela Polícia Federal e que culminou em 40 prisões de policiais civis, militares e informantes, revelou um pouco dos bastidores do submundo das forças desegurança do Rio de Janeiro. Gravações telefônicas trouxeram à tona uma guerra travada dentro da principal unidade especializada da Polícia Civil, a Delegacia de Combate às Drogas (Dcod), e que era mantida em sigilo dentro da própria instituição. 

No centro desse conflito estavam duas das mais operantes equipes da Dcod, que passaram a trocar acusações de contrabando e desvio de armas e drogas, extorsões e vazamento de operações para traficantes, em especial do Morro de São Carlos e da Rocinha. Entre tantos conflitos e ameaças de morte de parte a parte, quase todos os personagens foram parar atrás das grades.
O material obtido pela PF tem início em outra operação, denominada Paralelo 22, realizada desde 2009 por agentes de Macaé. O alvo principal era Rogério Rios Mosqueira, o Roupinol, então chefe do tráfico da cidade do Norte Fluminense e que estava escondido no São Carlos, onde foi morto em março.

DELAÇÃO DE INFORMANTE
Ao longo dessa investigação, a PF descobriu a promíscua relação de um informante da Dcod com Roupinol e o com chefão da Rocinha, Antônio Francisco Bonfim Lopes, o Nem. Em agosto, Magno Carmo Pereira foi preso. E aceitou a chamada delação premiada, revelando detalhes das acusações que, até então, não passavam de boatos dentro da própria delegacia.

Magno ou Maguinho era informante de Leonardo da Silva Torres, o Trovão, líder de uma equipe que tinha ainda o cabo da PM Aldo Leonardo Ferrari e os policiais civis Flávio Meister e Jorge do Prado Ramos, o Steve. Todos acabaram presos na Guilhotina. A crise na Dcod, no entanto, havia sido detonada bem antes, quando esse grupo teria acusado um outro — o do PM Carlos Eduardo Nepomuceno — de receber ‘arrego’ (propina) do tráfico.

Nepô, como é conhecido, também acabou preso pela PF, sob a acusação de agiotagem. Escutas feitas em seus telefones revelam o clima hostil que tomou conta da Dcod. “Se fizer covardia a gente também faz com eles. Quem tiver ouvindo no rádio, telefone, tô nem aí, porque não devo nada. A gente não faz nada de errado (...) fala sério, cambada de safado, arregado, e nós descobrimos, que o chefe da delegacia pegava dinheiro, e botou a gente pra bode expiatório”.

Na gravação, Nepomuceno se refere a outro inspetor, que também chegou a ser investigado pela PF, mas, até o momento, não há provas de seu envolvimento.

Venda de duas pistolas para Nem por R$ 14 mil 
Torres também levantava, em suas ligações, suspeitas contra o grupo de Nepomuceno. Após descobrir que havia sido feita uma denúncia anônima de que sua equipe estaria extorquindo um criminoso, ele reagiu: “Foi aquele safado que foi expulso da delegacia”, disparou o agente.

O inspetor se referia ao fato de o grupo de Nepomuceno ter sido afastado da Dcod quando surgiram rumores de que policiais recebiam dinheiro da Rocinha e do São Carlos.
Em seu depoimento, Magno não fala sobre a equipe de Nepô. Mas admite a venda de duas pistolas, por R$ 14 mil, ao traficante Nem. As armas teriam sido apreendidas no Morro da Coroa, em 24 de julho de 2009. Ele acusa Torres e Ferrari de terem ainda comercializado fuzis com traficantes. E de terem instituído um ‘arrego’ mensal de R$ 50 mil, em nome da Dcod e mais R$ 50 mil em nome de outra unidade especializada, a Delegacia de Repressão a Armas e Explosivos (Drae).

Então titular da Dcod, o delegado Marcus Vinícius Braga ficou no meio de um fogo cruzado, mas acabou não sendo atingido. O informante Magno afirmou que ele não sabia dos esquemas montados. Procurado, o delegado não foi encontrado para falar sobre a guerra entre os policiais.

DENÚNCIAS, AMEAÇAS E XINGAMENTOS

O DIA teve acesso aos grampos que revelam a guerra travada na Dcod. Numa conversa, o PM Carlos Eduardo Nepomuceno, afastado da delegacia ano passado sob suspeitas de ter envolvimento com traficantes, festeja o fato de uma equipe rival estar sendo alvo da PF. Ele faz várias denúncias e até ameaças.
Marquinho: O tempo já está mostrando, e vai mostrar quem é dessa vida...

Nepô: A gente tem que unir força agora, que se f.! Todo mundo vai se f.! A gente se junta e não tem essa p. não. Se fizer covardia a gente também faz com eles. Tem que fazer bem feito. Quem tiver ouvindo no rádio, telefone, eu não tô nem aí. Eu não devo nada (...) Cambada de safado, pilantra, tudo pega dinheiro de maquininha, jogo do bicho, entendeu, é tudo safado, arregado, e nós descobrimos, que o chefe da delegacia pegava dinheiro, né? 

Nepomuceno continua as denúncias, revoltado:
Nepô: Eu falei pra um outro, doa a quem doer, cadeia não é eterna, e foi feita pra homem (...). É com eles mesmo. Se for na bala, vai ser na bala (...) Esse Ferrari, que é água de salsicha, o outro Meister, bicho safado, que pegava arrego, o Torres, eles e o L., que pegavam o arrego, é tudo safado. Eles pegavam o dinheiro da Rocinha, do São Carlos, como tudo está documentado na Federal, que o cara está na delação premiada.

Após uma operação realizada pela Dcod, um telefonema anônimo denunciou que a equipe de Torres estaria extorquindo um traficante. O fato de o informe não ser verdadeiro revoltou o inspetor, que desabafou na conversa com um colega da equipe, Steve, obrigado a depor na Corregedoria da Políia Civil.
Steve: Sabe aquele elemento gerente lá que nós prendemos? Alguém, não tem identificação, foi denúncia anônima, ligou dizendo que queríamos extorquir dinheiro dele.
Torres: Foi aquele safado que foi expulso da delegacia, ‘rapá’ (...) arregado de tudo quanto é favela, o Nepomuceno, aquele fdp. que fez isso.

Steve: Eu falei: doutora, impossível, tendo em vista que o elemento foi preso, está aqui o registro.
Torres: Foi aquele safado. Nessa época foram cinco, seis abordagens da Corregedoria em cinco dias, quando ele foi expulso. A equipe dele tomou até um bote na Praça da Bandeira.

No fim de dezembro, mais de 40 PMs cedidos à Polícia Civil tiveram de retornar à corporação por determinação do secretário estadual de Segurança, José Mariano Beltrame. Em uma gravação, Nepomuceno comenta o caso e levanta suspeitas de que Ferrari teria feito um ‘transporte’:
Nepô: Retornaram todos os PMs, sem exceção.
Menezes: Todos?
Nepô: Fiquei sabendo aqui agora. Um policial chamado Ferrari, que tá lotado, esse é safado, fez uma m. imensa nessa operação aí, segundo estão comentando. Diz que ele transportou, entendeu?

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